Serra da Mina e do Rosalgar
Cercal do Alentejo
Introdução
No final da década de 80 do século
passado, tive o primeiro contacto com as minas do Cercal na cidade do Barreiro onde vivo desde 1985. Foi através
de algumas amostras de minério de ferro (Goethite) que recolhi na altura em ramal
ferroviário desativado, junto da Ponte dos Ingleses. O terminal do Barreiro
(Ponte dos Ingleses), teve a autorização para ser construído em
1 de Fevereiro de 1872 a pedido do britânico John Douthat. Na mesma altura foi
ligado um ramal ferroviário através da linha do Sul e Sueste para a saída do
minério da mina dos Monges (Montemor o Novo), então explorada pela firma
Cartaxo, Street & Col. Este minério era descarregado na Ponte dos Ingleses
para seguir por via fluvial até Inglaterra. Mais tarde foi construída uma ponte ferroviária ao lado da
Ponte dos Ingleses, ficando esta para outras cargas e descargas, vindo mais
tarde a desaparecer em 1995 com a inauguração do novo terminal rodo-fluvio-ferroviário
do Barreiro. A ponte e linha ferroviária (hoje desaparecidas), ligava o concelho do Barreiro
ao concelho do Seixal em cujo ramal era transportado o minério de ferro das
minas do Cercal com destino à Siderurgia Nacional. A referência interessante
destas Goethites levaram-me a visitar as minas do Cercal em 2000, mais concretamente a Serra da Mina, a qual ao
longo dos anos tenho visitado assiduamente para o estudo e recolha de amostras.
Localização
A localização da Serra da Mina e Serra do Rosalgar, ambas demarcadas a vermelho, situam-se a SW da povoação do Cercal do Alentejo, concelho de Santiago do Cacém e distrito de Setúbal. A Serra da Mina situa-se a 4Km do Cercal e o acesso faz-se pela N390 em direção a Vila Nova de Milfontes, nas coordenadas limite entre os distritos de Setúbal e de Beja. Neste local exato encontra-se à direita caminho com acesso às instalações da mina e ao cume da Serra. Para a mina do Resalgar é seguir o trilho da Rota Vicentina, o qual passa junto da entrada das instalações da mina. Presentemente o acesso ao local das minas está vedado e as bocas de mina estão fechadas com gradeamento.
Geologia
A serra do Cercal (341m) eleva-se da morfologia mais suave circundante e terá a sua origem na combinação de vários factores. Destes, destaca-se a conjugação de movimentos tectónicos com a erosão diferencial de rochas com diferentes durezas e resistência à erosão. Os movimentos tectónicos em falhas desta região fizeram abater o bloco a W da serra do Cercal, onde se implantou a Planície Litoral Ocidental. A erosão diferenciada nas rochas vulcânicas de elevada dureza, acentuou o relevo desta serra, por contraste com o substrato envolvente de origem xistenta e grauvacóide, mais fácil de erodir. Os Jazigos de Ferro e Manganês do qual faz parte a Serra da Mina, geologicamente, fazem parte da faixa Ferro-Manganífera do Cercal-Odemira, com ± 50x10km e orientação N-S, que se estende desde a Serra do Cercal até perto de Odeceixe (Carvalho: 1971; 65). Por razões de ordem estratigráfica, petrológica e metalogénica, a faixa Ferro-Manganífera deve considerar-se parte integrante da Faixa Piritosa Ibérica (Carvalho: 1975; 235), nomeadamente na transição metalogénica representada no Salgadinho (Cercal) e que segue até Rio Tinto na Andaluzia em Espanha. Na FPI portuguesa integram-se as explorações ativas das minas de Aljustrel e Neves-Corvo e outras hoje esgotadas ou abandonadas como as da Caveira, Lousal, Montinho, Chança, S. Domingos, Barrigão etc.
Na região da faixa Ferro-Manganífera do Cercal-Odemira foram definidas mineralizações de ferro e Manganês de 5 tipos (Gomes 1957, Carvalho 1971): jazigos filonianos, mineralizações de tipo estratóide associadas a jaspes e sedimentos Vulcano génicos, impregnações em xistos, arenitos cenozoicos com cimento ferro-manganífero e crostas de estrutura pisolítica. Os jazigos filonianos são os mais importantes, salientando-se entre eles as minas da Serra da Mina e Rosalgar (ambas demarcadas a vermelho no mapa acima exposto). Os jazigos explorados são constituídos por filões de óxidos de Fe e Mn, Barite e Quartzo, com possança máxima de 18 m e extensão em superfície por vezes superior a 5 km (Carvalho 1971, Matos e Rosa 2001). Estes filões encontram-se instalados em falhas tardi-variscas de direção NE-SW e pendor 45º a 65º para SE, localizadas no sector setentrional do Antiforma do Cercal.
História
A faixa costeira entre o Cercal do Alentejo e o sul de Odemira foi, desde tempos remotos, alvo de trabalhos de exploração de minérios de ferro e talvez cobre e prata, como provam a existência de escavações a céu aberto, galerias e escoriais atribuídos ao período romano. O estudo destes vestígios permitiram alargar o horizonte cronológico com varias explorações mineiras desde a Idade do Ferro ao período islâmico e Idade Média (v. Grangé 2009; Vilhena & Grangé 2011). Uma atividade intensa que esmoreceu nos séculos seguintes, a avaliar pela leitura das Memórias Paroquiais de 1758 transcritas por António Quaresma, como exemplifica a resposta de Fr. Bento Dias Barreto, pároco de Vila Nova de Milfontes: "(…) não há na dita serra [do Cercal] mina alguma de género algum de metais; nem materiais nem canteiras de pedras de qualidade alguma, mais do que pedras toscas e grosseiros penhascos que só poderiam servir desfeitas para paredes" (Quaresma 2006: 250-306).
As litologias do Complexo Vulcano-Sedimentar são as que concentram a maioria das antigas concessões mineiras, a maioria das quais requerida na segunda metade do séc. XIX. Estes indícios justificaram um amplo trabalho de cartografia geológica, geofísica e geoquímico desenvolvido pelo Serviço de Fomento Mineiro (SFM) entre 1942 e 1956. Na década de 50 do século passado encontravam-se reconhecidas 128 minas, estando 17 concessões do Banco Burnay com lavra suspensa, 19 concessões abandonadas e 92 em situação de campo livre. A exploração dos filões envolveu vários polígonos de concessão mineira como Serra da Mina (nº 33) de 26-06-1867, Serra do Rosalgar (nº 34) de 27-06-1867, Serra das Tulhas (nº 95) de 10-01-1874; Toca do Mocho (nº 96) de 10-01-1874 e Herdade da Mandurelha (nº 615) de 20-11-1913.
Entre 1959 e 2001 a mina foi explorada pela EMSC – concessão Serra do Cercal nº C-78 de 05-12-1997. Com o encerramento em Paio Pires, do alto-forno da Siderurgia Nacional (SN) em Março de 2001, a Empresa Mineira da Serra do Cercal (EMSC) concluiu nesse ano a sua atividade extrativa, por falta de escoamento dos minérios de ferro e manganês produzidos na mina do Rosalgar. A exploração decorria com sucesso, numa escala muito pequena (cerca de 24000t de minério/ano), adequada ao único cliente da empresa, a Siderurgia Nacional. O fim da mina deveu-se exclusivamente a este fator, tendo sido reconhecidas reservas em profundidade durante trabalhos de prospeção realizados pela EMSC na década de 90 (Albardeiro e Costa 1998, Matos e Rosa 2001).
Serra da Mina - Trabalhos
Os trabalhos na Serra da Mina foram desenvolvidos de inicio com o desmonte a céu aberto "Corta" próximo do cume da serra e por trabalhos subterrâneos divididos por três pisos com galerias poços e travessas. As galerias do 1º nível foram desenvolvidas a partir da Corta. Estas encontram-se com derrocadas sem acesso aos níveis inferiores da mina. As principais bocas de mina localizam-se no 3º nível com uma entrada dentro das instalações da mina e a outra junto da estrada N390 a seguir ao desvio de acesso à Serra da Mina. A boca de mina do 2º nível situa-se mais acima a meio da serra por cima do nível que tem a boca junto da N390. O minério desmontado nos níveis superiores era canalizado por gravidade para o 3º nível através de chaminés de evacuação com transporte e saída em vagonetas.
Mineralogia
Os minerais com maior representação da Serra da Mina e Rosalgar são sem dúvida os Óxidos e Hidróxidos de Fe e Mn com destaque para a Goethite, Hematite, Pirolusite, Psilomelane e Criptomelane. Da ganga tem referencia o Quartzo, Calcedónia e Barite. Minerais menos comuns com alguma representação são a Corkite, Plumbojarosite e Siderite, com representação rara são a Malaquite e Piromorfite, .
Goethite - α-Fe3+O(OH) – Este hidróxido de ferro é o principal mineral (minério) que justificou economicamente a exploração das minas do Cercal. Na Serra da Mina apresenta-se através do veio principal em todos os pisos com varias características estéticas, das quais destaca-se a botrioidal com fratura concoidal, estalactítica, grupos arborescentes irisados etc. Acompanha todos os outros minerais com destaque para a Pirolusite e Psilomelano.
Pirolusite - Mn4+O2 – Este dióxido de manganês é o segundo mineral minério das minas do Cercal. Na Serra da Mina a Pirolusite apresenta-se polvorenta, terrosa ou massas cristalizadas de brilho metálico em veios e bolçadas a acompanhar a Goethite. A representação cristalográfica está entre as melhores do mundo para esta espécie, devido ao comprimento dos cristais que atingem alguns centímetros. Este mineral do grupo do Rútilo cristaliza no sistema tetragonal e nesta mina apresenta-se normalmente em grupos capilares em forma de leque ou massas radiantes. Os cristais podem chegar aos 5cm por vezes entroncados e terminados. Em alguns locais apresenta configuração cristalográfica diferente do habitual em prismas curtos deitados sobre a matriz. Pelas características apresentadas a Pirolusite da Serra da Mina é apreciada por colecionadores de minerais e digna de ser apreciada em qualquer vitrina de Museu.
Criptomelano - K(Mn4+7Mn3+)O16, localiza-se em locais tipificados de fumarolas hidrotermais de origem vulcânica. Estas estruturas remanescentes de cor negra localizam-se em alguns pontos da ganga do veio de Goethite da mina. Apresenta-se em crostas facilmente desagregáveis. Algumas amostras recolhidas apresentam camada superficial polvorenta de Hematite.
Quartzo – SiO2 – Apresenta-se no encosto do veio de Goethite associado com Barite. As melhores representações são criptocristalinas através da Calcedónia.
Barite - BaSO4 -Este mineral apresenta-se em massas de veios com dimensão expressiva a acompanhar o filão de Goethite. As cristalizações são milimétricas, confundindo-se com
a Calcedónia que normalmente está associada.
Corkite - PbFe3(PO4)(SO4)(OH)6 - Este mineral apresenta-se em cristais milimétricos com alguma expressão no 3º nível. Aqui podem atingir os 3mm em coloração negra e brilhante (lembrando pulgas) e também em tons de castanho.
Plumbojarosite - Pb0.5Fe3+3(SO4)2(OH)6 - Esta espécie é menos representativa que a Corkite e tem a mesma paragénese. As duas espécies por vezes estão interligadas e confundem-se. Apresenta-se em crostas e cristais milimétricos. Tem uma coloração amarelada.
Siderite - FeCO3 - Foi localizada num pilar do 2º nível e forma pseudomorfose com Goethite. Tem pouca representatividade.
A Malaquite e a Piromorfite foram encontradas nas instalações da Serra da Mina e desconhece-se o nível a que pertencem.
Rosalgar - Trabalhos
Os trabalhos de extração de minério no Rosalgar foram primeiramente feitos por cortas que hoje atingem grandes desníveis e mais tarde por meio de vários poços e galerias. Os filões de óxidos de Fe/Mn são dois e como se pode ver na carta localizam-se nas cumeadas e estão separados por um vale com caminho vicinal. O filão A é o mais importante e por isso mais trabalhado. Aflora na Herdade da Cela no cimo de cabeços elevados com desníveis de 50m, onde a mineralização é mais rica e tem maior pujança .
Os trabalhos de maior importância concentraram-se na Herdade da Cela onde foi aberta galeria com a extensão de 165m até ao filão. Neste filão para além da abertura da galeria da Cela, foram abertas ao longo do filão cinco galerias e vários poços inclinados para a extração do minério.
A mina do Rosalgar trabalhou até 2001, encerrando neste ano por falta de escoamento de minério para a Siderurgia Nacional. Em 2001 a Siderurgia em Paio Pires por motivos ambientais encerrou o Alto Forno (alimentado a carvão) onde o minério do Cercal era processado. A administração da Siderurgia decidiu modernizar-se com um Forno elétrico e pela reciclagem de sucata de Ferro mariotariamente importada e descarregada no cais da antiga Quimigal no Barreiro, sendo esta depois transportada para a Siderurgia por via terrestre.
Mineralogia
A mineralização é idêntica à Serra da Mina com a exceção da Hematite onde aqui encontrei amostras com maior representação.
Martins da Pedra
Referências:
Serra da Mina Mine, Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém, Setúbal, Portugal (mindat.org)
Serra do Rosalgar Mine, Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém, Setúbal, Portugal (mindat.org)