Mina do Monte Suimo

Belas

Monte Suimo - Vertente norte - Março de 2008
Monte Suimo - Vertente norte - Março de 2008
Piropo – (Carbunculus Candidus)
Piropo – (Carbunculus Candidus)

Introdução

A serra de Sintra ou melhor entendendo o Monte da Lua como era conhecida antigamente, teve ocupação humana desde a Pré-História até ao início da Antiguidade Clássica e que está amplamente documentado. A referência com maior destaque nos textos antigos sobre esta área, é a menção sobre a mineração antiga de granadas com qualidade de gema no monte Suimo, perto de Belas. As referências documentais a este local datam do início do cristianismo até o final do século XX, com citações desta mineração por intermédio de vários estudos entre os quais sobre geologia ou arqueologia.

Localização

Localização por Satélite do Monte Suimo
Localização por Satélite do Monte Suimo

O Monte Suimo é uma pequena elevação arredondada encimada com um marco geodésico a 291 metros de altura. É o ponto mais alto a sul da Serra da Carregueira e está localizado a noroeste da cidade de Lisboa, perto da vila de Belas. Neste ponto alto tem-se uma vista privilegiada da cidade de Lisboa e o estuário do rio Tejo. Com visão para sul, vê-se distintamente a Serra da Arrábida, para W o Oceano Atlântico e a Serra de Sintra. A área de mineração está localizada na vertente norte do Monte Suimo, junto ao campo de golfe Lisbon Sport Club. Presentemente o acesso ao local das minas é restrito, pois estão integradas em área militar pertencente ao Regimento de Comandos da Carregueira, onde localmente fazem assiduamente instrução de tiro.

Monte Suimo - Marco Geodésico - 291 m - Março de 2008
Monte Suimo - Marco Geodésico - 291 m - Março de 2008
Caminho lateral às minas – Março de 2008
Caminho lateral às minas – Março de 2008
Campo de Golf Lisbon Sport Club - Março de 2008
Campo de Golf Lisbon Sport Club - Março de 2008

Trabalhos

A área de exploração da mina no Monte Suimo é reconhecível através de dois locais com trabalhos realizados a céu aberto em rocha calcária e cujo interior está coberto por vegetação densa, o que torna o acesso bastante difícil. A mina maior tem uma extensão de 500x30 metros e ambas as minas estão alinhados com a direção NNE-SSW. Segundo Choffat, desde 1861 foram desenvolvidos trabalhos de mineração nas escombreiras, as quais posteriormente foram parcialmente transferidas e depositadas para dentro de ambas as minas.

Mina maior – Abertura de exploração – Março de 2008
Mina maior – Abertura de exploração – Março de 2008
Mina maior – Ocupação vegetal densa – Março de 2008
Mina maior – Ocupação vegetal densa – Março de 2008
Mina maior – Parede de calcário – Março de 2008
Mina maior – Parede de calcário – Março de 2008
Mina menor – Terraço sobre a mina – Março de 2008
Mina menor – Terraço sobre a mina – Março de 2008

História

A exploração desta mina teve a sua maior intensidade no período da ocupação romana e cujos vestígios não passaram despercebidos em séculos posteriores. Existem algumas citações importantes documentadas na história antiga sobre a mina gemológica do Monte Suimo.

1 - Gaius Plinius Secundus (23-79 DC), mais conhecido por Plínio-o-Velho, faz uma referência importante na sua obra "Historia Naturalis" sobre a presença de "carbunculus candidus" e "nigrioris aspectus" em torno de Lisboa. A designação pelo autor de "carbunculus candidus" refere-se ao aspeto da cor da granada e o fogo. A designação de "nigrioris aspectus" refere-se ao aspeto da cor negra da anfíbola. O autor baseou-se em textos escritos por Cornelius Bocchus, um habitante lusitano de Salacia (Alcácer do Sal) sobre as riquezas da Lusitânia, onde este afirma que os "carbunculus" são laboriosamente extraídos de um solo argiloso e seco. Deduz-se então que desde aquela época a exploração de gema era feita, não em rocha mãe, mas em despejos de explorações anteriores.

2 - Julii Solini (~ 200 DC), refere-se na sua obra "Collectanea rerum memorabilium" a ocorrência de pedras ceraunio (raios em grego) na costa lusitana. Nesse tempo, esta pedra foi usada como um talismã contra as trovoadas elétricas devido à cor de fogo do piropo.

3 - Autores árabes (sec. X e XII) referem-se a Ossumo ou monte Assum ou Axyum onde encontraram pedras baraad (fosforescentes) que brilham à noite.

4 - O autor clássico Georgi Agricolae (1546) na sua obra "De Ortu & causis subterraneorum ... De natura Fossilium" também menciona alguns aspetos da mina do Monte Suimo. Nesta época da história, há outros autores que designaram estas granadas com o nome de jacintos.

Documento redigido em 1758 pelo prior de Belas – João Crisóstomo, sobre a exploração de gemas do Monte Suimo.

Viagem de Cristóvão Colombo
Viagem de Cristóvão Colombo
Rei D. Dinis
Rei D. Dinis

5 - Cristóvão Colombo não se esqueceu de mencionar no seu livro de bordo, a mina de ouro da praia da Adiça, bem como a mina do Monte Suimo da vila de Belas. A riqueza produzida por ambas as minas foram usadas para ajudar a financiar a viagem de descoberta da América.

6 - Sempre existiu uma forte ligação entre o palácio de Belas e as minas. O palácio e os terrenos adjacentes incluindo as minas, foram propriedade durante varias gerações da casa real portuguesa, sendo que em 1424 as mesmas pertenciam ao príncipe D. João. As minas tiveram a sua época de ouro durante o reinado do rei D. Dinis e vieram a declinar durante século XVI, até ao total abandono das mesmas em data desconhecida.

7 - Mais tarde, no início do século XX, a mina do Monte Suimo foi objeto de vários estudos, com algumas publicações científicas de interesse (Souza- Brandão, 1913; Choffat , 1914) e históricos (Azevedo, 1916). Em 1985, Palácios determinou através de sonda micro- eletrônica a composição química das granadas e anfíbolas do Monte Suimo.

Geologia

Localização basáltica do Monte Suimo. Carta geológica 34-A – Sintra – 1:50.000
Localização basáltica do Monte Suimo. Carta geológica 34-A – Sintra – 1:50.000

O Monte Suimo é um filão de rocha basáltica extrusiva pertencente ao complexo vulcânico de Lisboa, cuja atividade ígnea foi desenvolvida durante a abertura do Atlântico Norte. Este complexo abrange uma extensão com cerca de 200km2 entre Lisboa, Sintra, Mafra e Runa. Está instalado entre o Cretáceo superior e o Eocénico inferior, há 72 milhões de anos. Apresenta vários tipos de estruturas (chaminés, escoadas, soleiras, domas, diques, etc.) e rochas (basaltos, piroclastos, brechas, traquitos, etc.). Predomina os basaltos em geral, gabros e alguns vulcanitos. Os basaltos são as rochas mais abundantes e representativas deste complexo. O vulcanismo na zona de Lisboa ao longo do tempo atuou de forma descontínua através de aparelhos do tipo central. Verificou-se diversas fases de atividade explosiva violenta como o testemunho de rochas piroclásticas e brechas, seguidas ou intercaladas por emissões mais efusivas (escoadas basálticas). Entre as diferentes fases houve períodos mais calmos com a duração suficiente para erosionar as emissões de basalto anteriores, formando paleossolos, alguns com testemunhos fossilíferos. O filão extrusivo do Monte Suimo, caracterizado por uma mineralogia peculiar, diz-nos quimicamente que a sua emissão teve uma origem mais profunda proveniente do manto. A dedução refere-se particularmente com o quimismo das granadas classificadas como piropo e a olivina, cujos componentes químicos são essenciais em rochas mais intrusivas e ultra básicas e por conseguinte de maior profundidade. Este basalto apresenta uma matriz afanítica e densa, caracterizado por apresentar no seu seio, principalmente cristais anédricos de anfíbola, piroxena, granada e olivina. Este filão basáltico teve a sua fase de atividade sob os terrenos sedimentares do Cretáceo, cujo material magmático depositou-se e misturou-se com o calcário fossilífero. Foi neste calcário com material magmático que os romanos descobriram o famoso "carbunculus" da Lusitânia.

Mineralogia

A mineralogia representativa do Monte Suimo não apresenta cristalizações euédricas, se tanto por vezes algo subédricas. Uma característica dos magmas extrusivos é a sua fluidez e rapidez com que chegam à superfície, sendo que os constituintes mineralógicos na sua maioria, não apresentam as condições necessárias de temperatura e pressão para se cristalizarem adequadamente. Durante as fases de emissão do magma no interior do monte Suimo, este arrancou e arrastou para a superfície mariotariamente minerais anédricos de Granadas (Piropo), Anfíbolas (Kaersutite), Piroxenas, Olivina e minerais secundários tais como: Augite, Horneblenda, Espinela, Magnetite, Zircão etc. Estes minerais estão representados por vezes com dimensões centimétricas no seio de fragmentos basálticos de textura afanítica (Anfíbolas, Piroxenas, Granadas) ou encontram-se soltos e dispersos no solo, perto das antigas explorações mineiras. 

Fragmentos de Piropo com qualidade de gema até 5mm
Fragmentos de Piropo com qualidade de gema até 5mm
Piropo com Kaersutite - 5x4x3cm
Piropo com Kaersutite - 5x4x3cm
Piropo - 2x1,5x1cm
Piropo - 2x1,5x1cm
Fragmentos de Piropo com qualidade de gema até 3mm
Fragmentos de Piropo com qualidade de gema até 3mm

Granada (Piropo) – (carbunculus candidus) - Mg3Al2(SiO4)3

Estudos de Choffat (1914) indicam que a granada desta jazida foi em princípio, classificada por Herbert Smith do Museu de História Natural de Londres como sendo Hessonite, com base na sua estrutura e densidade. Mais tarde em 1985, foram revisadas por Palácios, revelando o conteúdo ou a predominância do Mg em 64%. Determinou também através da presença de Fe e Ca teores para formar as séries (21% Almandina-Piropo) e (12% Grossulária-Piropo). Presentemente é extremamente difícil encontrar uma boa representação desta granada junto das antigas minas e quando se encontra, é sempre em fragmentos milimétricos. Confunde-se facilmente na coloração com outros fragmentos de espinela ou zircão, sendo que estes últimos apresentam um tom mais para o rosado e só com análise química adequada, é possível determinar a classificação destes últimos minerais.

Fragmento de Anfíbola (Kaersutite) com 2,5cm
Fragmento de Anfíbola (Kaersutite) com 2,5cm
Anfíbola - (Kaersutite) -7x4x4cm
Anfíbola - (Kaersutite) -7x4x4cm
Fragmentos de Anfíbola (Kaersutite) até 2cm
Fragmentos de Anfíbola (Kaersutite) até 2cm

Anfíbola (Kaersutite) - (nigrioris aspectus) - NaCa2(Mg3AlTi4+)(Si6Al2)O22O2

A Anfíbola do Monte Suimo também foi analisada por Palácios e classificou-a como sendo Kaersutite. Visualmente confunde-se com a piroxena local e distingue-se desta pela sua fratura concoidal. Por curiosidade verifica-se por vezes no seio do basalto estas duas espécies juntas, verificando-se a fratura concoidal na anfíbola e a fratura característica em escada da piroxena. Estas duas espécies encontram-se com alguma facilidade no Monte Suimo ou nas imediações das antigas minas e apresentam-se por vezes em indivíduos até 5cm. A Kaersutite confunde-se muito facilmente com a Magnetite pois esta apresenta-se localmente também com a fratura do tipo concoidal. Distingue-se muito bem as duas espécies através da utilização de um magneto.

Amostra subédrica de Piroxena (Augite) com 1,5cm
Amostra subédrica de Piroxena (Augite) com 1,5cm
Nódulo de Olivina com 2cm instalado em matriz basáltica
Nódulo de Olivina com 2cm instalado em matriz basáltica

Olivina - (MgFe)2SiO4 - Pessoalmente penso que até agora a melhor representação de Olivina em Portugal Continental é deste local. Não se compara em brilho e cor com as representações das nossas ilhas vulcânicas dos Açores e Madeira. A Olivina do Monte Suimo apresenta-se medíocre em nódulos estilhaçados ou ligeiramente granulados até 3cm e com uma coloração amarelada e fraca. Encontra-se com alguma dificuldade e muito trabalho junto de alguns blocos basálticos localizados no alto do Monte Suimo.

Horneblenda basáltica com viscosidade – 4,5x4x3cm
Horneblenda basáltica com viscosidade – 4,5x4x3cm
Horneblenda basáltica com viscosidade – 4x2x2cm
Horneblenda basáltica com viscosidade – 4x2x2cm

Horneblenda - Ca2(Fe4Al)(AlSi7O22)(OH,F,Cl)2 - A Horneblenda de origem basáltica é um dos minerais secundários dos basaltos. As amostras recolhidas apresentam uns traços de viscosidade semelhante a teia de aranha que lhe dão um aspeto estético interessante. Com este aspeto só encontrei duas ou três amostras soltas na vertente leste do Monte Suimo junto ao caminho.

Pode-se encontrar com alguma raridade e dispersos pelo solo, outros minerais secundários em fragmentos milimétricos de : Augite, Magnetite, Cromite, Espinela, Zircão etc. 

Gemologia

Os romanos valorizaram as granadas da Lusitânia pela sua cor vermelha quase rubi e incrustavam-nas polidas em cabochão em joias de ouro, tais como anéis, brincos ou broches. Penso que também usaram mas em menor medida, a anfíbola, porque esta apresenta boas características para o polimento e talvez fosse usada como joia em tempos de luto devido à sua cor. Da época romana podem ser apreciadas algumas peças de ouro engastadas com piropo do Monte Suimo no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa. As minas estiveram sempre relacionadas com a coroa Portuguesa e um inventário aos ornamentos do príncipe D. Dinis datado de 1278, menciona "onze pedras jagonças- (designação arcaica para jacintos) de belas almandinas". Há outra referência de joias incrustadas com piropo do Monte Suimo, pertencentes ao Conde Redondo e atualmente os seus herdeiros desconhecem completamente o paradeiro das mesmas. Mais recentemente e disponível no acervo do Museu Nacional de História Natural em Lisboa, encontra-se uma cruz da coleção Montenegro de Andrade com a forte possibilidade de ter sido incrustada com granadas do Monte Suimo.

Martins da Pedra

Referencias:

Monte Suímo Mine, Queluz e Belas, Sintra, Lisbon, Portugal (mindat.org)