Mina da Preguiça
Sobral da Adiça
Campo Mineiro da Preguiça e Herdade de Vila Ruiva
Minerais supergênicos de chumbo e zinco
Este artigo é dedicado em respeito a todos os antigos mineiros que abriram as galerias da mina da Preguiça num trabalho impressionante, empregando ferramentas manuais, e certamente não o fizeram com preguiça.
Introdução
A mina mais conhecida da região do Sobral da Adiça no concelho de Moura é a Mina da Preguiça e a melhor definição para esta mina estão nas palavras do meu amigo francês Jacques Yves Desescaut que disse um dia numa visita à mina. "La Mine de Preguiça est très riche" – a Mina da Preguiça é muito rica. A representação dos seus minerais apesar de milimétricos é abundante e faz as delícias de qualquer colecionador de micromounts. A riqueza da área em minérios como ouro, prata, ferro, zinco e chumbo, a proximidade de grandes vias navegáveis e áreas agrícolas ao longo dos rios Guadiana e Ardila, muito contribuíram para a fixação de povos desde os tempos megalíticos na região do Sobral da Adiça. Ao longo da história esta terra viu passar Ibéricos, Celtas, Fenícios, Gregos, Cartagineses, Romanos, Godos e Árabes. Etimologicamente o topónimo de (Sobral) vem do latim "Suberale" que significa terra de sobreiros e (Adiça) que deriva do árabe "ad-diça" e que significa mina de ouro. Esta mina foi divulgada por mim no início de 2005 através de algumas fotos que postei no Mindat. Com esta informação os coletores da Andaluzia e de outras partes de Espanha fizeram inúmeras incursões na mina, levando alguns ambientalistas portugueses a alertar as autoridades locais para o facto de estarem a interferir sistematicamente no ecossistema de uma fauna importante de morcegos sitiada nesta mina. Presentemente a mina está interdita a qualquer visita pois está em propriedade privada e é fiscalizada pela autoridade local do Sobral da Adiça.
Localização
O
campo mineiro da Preguiça e Herdade de Vila Ruiva situa-se no distrito de Beja,
na Serra da Preguiça e a cerca de 20km a SE de Moura na freguesia do Sobral da
Adiça. O acesso faz-se na estrada nacional nº 255 entre Moura e Sobral da Adiça e no cruzamento oposto para Vale de Vargo. Após a Herdade de Vila Ruiva, faz-se o caminho por terra batida até á mina da Preguiça em propriedade privada.
Trabalhos
Os trabalhos na Mina da Preguiça foram desenvolvidos numa primeira fase através de desmonte a céu aberto na zona superior (Corta - cinzento) e posteriormente através de três bocas de mina com galerias e travessas desenvolvidas por três pisos. (1º piso - verde), (2º piso - rosa), (3º piso - laranja).
A recolha do minério do 1º e 2º piso era feita no 3º piso através de chaminé vertical desenvolvida desde a Corta. No 3º piso e a meio da galeria principal há um poço com 15 metros que dá acesso a uma galeria de um 4º Piso (não assinalado na planta) e do qual fornece água para um Olival situado em frente da mina.
Geologia
A jazida de Zn-Pb(Ag) do campo mineiro da Preguiça e Herdade de Vila Ruiva localiza-se na zona portuguesa de Ossa-Morena. Na superfície deste depósito em Anticlinal ocorrem chapéus de ferro no meio de Calcários Dolomíticos do Câmbrico e que foram no passado objeto de exploração. Nesta região também surgem Xistos com a orientação NW-SE e alguns Quartzitos. Nos Calcários aparecem alguns veios de quartzo com orientação relativamente marcante para NE. A maioria das elevações nesta zona corresponde aos Calcários que resultam duma erosão diferencial devido ao seu alto teor de silício, confundindo-se facilmente com o Quartzito. As formações ferríferas e zincíferas da Serra da Preguiça são de diferentes origens. As formações ferríferas estão interestratificadas com Xisto junto ao contacto com os Calcários numa extensão de 1,5 Km, com orientação N 60 º W com ligeira inclinação para NE, prolongando-se na Serra da Abelheira. São constituídas por várias camadas de Hematite siliciosa com uma espessura média de 3m separadas por bancadas de Xisto estéril e a sua origem está ligada a processos vulcânicos.
A acção das águas meteóricas sobre os calcários da região provocou fenómenos de carstificação nestas rochas onde aparecem cavernas e grutas naturais com projecções excêntricas de Calcite e Aragonite branca, as quais na Mina da Preguiça localizam-se com acesso a estas em algumas das galerias do 3º piso. Uma outra representação local deste fenómeno prende-se com a Gruta da Adiça localizada na serra da Adiça.
Mina Herdade de Vila Ruiva
Trabalhos
Os trabalhos na Mina Herdade de Vila Ruiva foram desenvolvidos numa primeira fase através de desmonte a céu aberto na zona superior (Corta) e posteriormente através de poços e galerias distribuídas por três pisos. Os trabalhos subterrâneos estão sem acesso devido ao abatimento das galerias superiores.
O minério extraído na mina da Preguiça seria aqui processado juntamente com o da Herdade de Vila Ruiva . Não existem instalações do género na mina da Preguiça e o acesso a esta unidade de transformação dista 1500 metros.
História
Toda a região do Sobral da Adiça testemunha a presença humana desde os tempos megalíticos como evidenciam vários vestígios arqueológicos como as antas de Touril e Preguiça e as necrópoles dos Borrazeiros, Touril e Palhais. Em 1930 foram encontradas no monte Álamo algumas jóias de ouro da época romana que se encontram depositadas e expostas no Museu Arqueológico Nacional de Lisboa. As concessões mais antigas desta zona datam de 1852 com destaque para a concessão da mina Umbria da Preguiça localizada no monte Álamo que foi registada em Setembro de 1899 por António Rodrigues Rogado com o manifesto do ferro, chumbo e outros metais. Entre 1911 e 1912 foram registadas quatro concessões contíguas de E a W, localizadas na serra da Preguiça com a seguinte designação: Herdade de Vila Ruiva, Herdade de Vila Ruiva nº1, Preguiça nº2 e Preguiça nº1. Entre 1911 e 1915 estiveram em funcionamento as minas da Preguiça nº 2 e Herdade de Vila Ruiva, com destaque para os trabalhos da mina da Preguiça nº 2. No total foram extraídas cerca de 2.342t de minério com 25% de Zn. O desenrolar da Primeira Guerra Mundial levou à suspensão dos trabalhos, como comprovam documentos arquivados na (Repartição de Minas) e em 1929 foi declarado o abandono das minas, não por falta de reservas ou minério de má qualidade. Mais tarde, entre 1950 e 1966, a autarquia do (Serviço de Fomento Mineiro) assumiu o estudo e viabilidade destas jazidas tendo desenvolvido trabalhos de ampliação e exploração em antigos trabalhos com a abertura de 33 trincheiras, 170m de poços verticais e inclinados, e 830m de galerias, cujo trabalho teve maior desenvoltura na mina da Herdade de Vila Ruiva. Entre 1964 e 1966 esta mina esteve em operação com 13.000t de produção de minério e as reservas foram calculadas em 30.000t de minério com 32% de Zn. As reservas da mina Preguiça nº2 foram calculadas em 70.000t com 7% de Zn, assim como o minério retirado do nível superior a céu aberto, foi estimado em 4.000t com o teor de 17,8% de Zn. Estas duas minas foram posteriormente adquiridas pela empresa "Compagnie Royale des Mines Asturienne" a qual foi patrocinada pelo governo português. Esta empresa desenvolveu trabalhos de perfuração na serra da Preguiça, a qual reportou estimativa geológica calculada em um milhão de toneladas de minério com teor médio em 8% de Zn e 2% de Pb. A concessão mineira com as jazidas de minério mais importantes localizadas na zona geológica de Ossa-Morena com uma área de 500km2 conhecida como a faixa de "Portel-Moura-Ficalho", foi adquirida em 1998 pela empresa canadense "APAC Minerals Inc." através da empresa mineira chilena "EXMINCO - Exploration and Mining Investment Co.". Uma nota da agência de imprensa Reuteurs, datada do início de Fevereiro de 2008, anuncia que a empresa canadense "Northern Lion Corp." tem vindo a realizar trabalhos de perfuração desde 2007 nas áreas do Cercal e Moura incluindo sondagens de perfuração no campo mineiro da Preguiça e Herdade de Vila Ruiva.
Mineralogia
A mineralogia descrita neste artigo corresponde à zona de alteração supergênica da mina Preguiça nº 2. Esta mina teve uma primeira fase de trabalhos a céu aberto na zona superior e posteriormente desenvolveu-se sob o solo através de galerias e travessas que se estendem por quatro níveis com três bocas de mina. A mina da boca principal está localizada na zona inferior ou 3º nível. A zona superior da mina é caracterizada pela presença de massas cavernosas de Goethite no seio do Calcário, o qual deriva em profundidade para os níveis inferiores da mina para massas mais densas e fortemente silicificadas do tipo jaspe. Esta mina é caracterizada pela presença de minerais secundários correspondendo a um ambiente fortemente oxidado onde não existem minerais primários. A paragénese de oxidação Pb-Zn-As-V consiste principalmente em Cerussite, Willemite, Descloizite e Mimetite. A oxidação de Sulfuretos primários como (Pirite, Esfalerite e Galena), forneceu primeiro Goethite, Cerussite e Smithsonite. A formação da Willemite provavelmente é posterior à Cerussite e Smithsonite, indicando cristalização por soluções ricas em Zinco e ácido silícico. A formação da Descloizite foi produzida pela infiltração de soluções supergênicas com Vanádio no contato com soluções ricas em Pb e Zn.
Goethite - α-Fe3+O(OH) é um mineral abundante que se destaca em formações arborescentes localizadas nos níveis superiores da Mina da Preguiça e que acompanha com Calcite e Dolomite. São interessantes as formações botrioidais com Willemite ou Descloizite. Forma pseudomorfoses e epimorfoses com Calcite, Descloizite, Cerussite, Smithsonite e mais raramente com Willemite.
Plattnerite – PbO2. Este mineral do grupo Rútilo tem a melhor representação no 2º nível da Mina da Preguiça. Apresenta-se em cristais aciculares não prismáticos (cristais bipiramidais estendidos com ângulos muito agudos) até 5mm, de cor preta e brilhantes sobre crostas de Dolomite/Calcite. No 3º nível apresenta-se principalmente em fendas nas grutas naturais juntamente com formações de Calcite/Aragonite. São conhecidas inclusões de cristais de Plattnerite em Calcite clara com um efeito estético marcante. No interior da mina, este mineral pela sua cor e brilho é facilmente confundido com a Descloizite que muitas vezes a acompanha.
Coronadite - Pb(Mn6Mn2)O16 . Este óxido de Pb e Mn está representado no 3º nível em cavidades de jaspe junto com Smithsonite e Willemite. Apresenta-se em delicadas estruturas botrioidais ou arborescentes, não ultrapassando o cm. Tem uma cor cinza escuro e brilho sedoso. É semelhante em todos os aspetos com as formações encontradas na mina Les Montmins - França.
Calcite - CaCO3. O carbonato de cálcio da mina Preguiça estende-se em todos os níveis da mina e apresenta-se de diversas formas. Os cristais mais comuns são de hábito romboédrico e escalenoédrico até 5cm. No 3º nível da mina a Calcite acompanha a Descloizite e forma-se sobre esta ou sobre Goethite/Limonite em concreções excêntricas ou em cristais escalenoédricos com ângulos muito fechados. Por vezes apresenta-se em forma de rosetas de cristais transparentes e laminares o que permite observar inclusões de Descloizite, Goethite e raramente Plattnerite. Nas cavidades de jaspe acompanha com Willemite e Smithsonite confundindo-se com esta última. A sua coloração é incolor, branca ou amarelada devido aos óxidos de ferro. As formações mais espetaculares apresentam-se do tipo flos-ferri com uma cor muito branca nas cavernas naturais do 3º piso da mina. Estas formações foram classificadas primeiramente como Aragonite, mas depois veio-se a comprovar depois de analisada ser Calcite. Em algumas destas cavernas, as formações de Calcite acompanham com Hidrozincite, confundindo-se as mesmas devido à cor branca. No 2º nível a Calcite apresenta-se em bolsões juntamente com Descloizite e Goethite. Devido à atmosfera muito seca das galerias deste nível, a Calcite apresenta-se friável e desagregada, fazendo que seja facilmente removido à mão amostras flutuantes de Goethite com Descloizite. Devido ao ambiente seco deste nível, é perigoso coletar amostras, pois tem o perigo expresso e iminente de colapso da galeria. Nas escombreiras superiores do 1º nível, a Calcite é facilmente localizada em cavidades de Goethite que acompanha formações de Willemite ou Mimetite.
Cerussite - PbCO3. A Cerussite é relativamente abundante nas escombreiras e galerias superiores da mina. A melhor representação está localizada em cavidades de Goethite no teto de uma galeria no 2º nível. Geralmente apresenta-se em cristais prismáticos e estreitos que podem atingir os 2cm com uma terminação piramidal achatada com coloração transparente ou levemente amarelada. Apresenta-se também em maclas cíclicas ou em "V". A geração mais antiga apresenta cristais até 8mm com hábito tabular alargado e tipicamente recobertos por uma patina alaranjada. Sobre estas formações de 1ª geração geralmente deposita-se uma formação mais recente de cristais mais pequenos e claros de Cerussite com Willemite. Forma epimorfoses com Goethite e pseudomorfoses com Willemite. No 3º nível, a Cerussite não tem relevância significativa com ressalva para as formações prismáticas brancas, localizadas em cavidades de jaspe, que foram classificadas visualmente como Cerussite quando na verdade após análise, são formações prismáticas de Willemite com uma configuração cristalográfica diferente das formações localizadas nos níveis superiores da mina.
Smithsonite - ZnCO3. A melhor representação para esta espécie está localizada no 3º nível onde se apresenta em drusas de cristais romboédricos milimétricos em cavidades no jaspe. São tipicamente transparentes, mas também com tons de amarelo ou laranja devido à inclusão de óxidos de ferro. Acompanha com Willemite, Calcite e Coronadite. A Smithsonite foi verificada também nas escombreiras superiores do 2º nível, a qual apresenta-se em cristais romboédricos quase esféricos até 2,5 mm, de coloração branca ou translúcida. Encontra-se em cavidades de Goethite, mas o melhor efeito é a cristalização sobre Descloizite.
Dolomite - CaMg(CO3)2 tem alguma relevância nos níveis superiores da mina e geralmente apresenta-se em crostas sobre Calcite ou Goethite. O desenvolvimento cristalográfico é escasso com cristais romboédricos até 3 mm de cor branca com patinas de óxidos de ferro. A sua matriz dá um bom contraste com a cristalização da Descloizite ou Plattnerite.
Siderite - FeCO3 tem pouca representatividade nesta mina. As poucas formações cristalográficas estão no 3º nível em cavidades de jaspe. Os cristais são milimétricos com aspeto lenticular próprio da Siderite e coloração castanho amarelada.
Hidrozincite - Zn5(CO3)2(OH)6 tem alguma representação no 3º nível e acompanha as formações de Calcite localizadas nas grutas naturais, confundindo-se com esta. Apresenta-se pulverulenta ou terrosa mas também em concreções esféricas, crostas de cor branca. Diferencia-se visualmente da Calcite pelo brilho sedoso.
Descloizite - PbZn(VO4)(OH). A Descloizite desta mina foi referenciada por Thomas Moore na revista Mineralogical Record - volume 38 - número 3 - página 219, sobre as novidades mineralógicas na feira de Tucson em 2007. É atualmente considerada a melhor representação europeia para esta espécie e é indiscutivelmente superior a outras representações da Península Ibérica como as provenientes das minas espanholas de Gerty e Azuaga na província de Badajoz e outras minas nas províncias de Granada e Toledo. É um mineral que cristaliza no sistema ortorrômbico e apresenta-se de várias formas. Na mina da Preguiça a melhor representação vem de uma galeria do 3º nível localizada ao longo das cavernas naturais e apresenta-se em drusas de cristais bipiramidais até 3mm de cor negra e extraordinariamente brilhantes. Acompanha Calcite excêntrica em crescimentos colunares ou sobre Goethite ou Ocre. Neste nível foram encontradas algumas amostras pseudomorfizadas de Vanadinite em Descloizite. No 2º nível a Descloizite apresenta-se em drusas de cristais de menor amplitude de aspeto sacaroide e brilhante sobre matriz de Goethite ou Ocre. Em algumas galerias apresenta coloração amarelo esverdeado a castanho. No 1º nível a Descloizite não tem relevância significativa. Na mina da Herdade de Vila Ruiva a Descloizite apresenta-se em pequenos prismas até 2mm de cor melada.
Mottramite ? - PbCu(VO4)(OH), não está analisada e foi identificada por mim visualmente através do microscópio. A representação é do 3º nível de uma cavidade de jaspe e apresenta-se numa capa fina aveludada de cor verde escura. A princípio confunde-se com goethita e acompanha com willemite e smithsonita.
Mimetite - Pb5(AsO4)3Cl está bem representada no 1º nível e apresenta-se em cavidades de Goethite, acompanhando Cerussite ou Willemite. Os cristais são aciculares até 3 mm, também em prismas hexagonais curtos com terminação piramidal, formando grupos ou feixes bem definidos. A cor às vezes é translúcida e varia de amarelo claro quase branco e verde amarelado.
Fosfohedyfane - Ca2Pb3(PO4)3Cl, é um mineral raro na Preguiça e foi localizado no 1º Piso. Apresenta-se em tufos e leques microscópicos de cor branca e acompanha a Mimetite e a Willemite. Confunde-se por vezes com estes dois minerais na configuração com a Mimetite e na cor com a Willemite.
Willemite - Zn2SiO4 não é comum em outras minas europeias, mas a representação na mina Preguiça é de uma riqueza extraordinária. As formações cristalográficas deste mineral destacam-se nos níveis superiores da mina, principalmente no 1º nível. Apresenta-se dentro de cavidades de Goethite e acompanha por vezes Cerussite ou Mimetite. Ocorre em grupos de cristais prismáticos hexagonais até 3mm bem definidos e com excelente brilho, transparentes ou com tonalidades amareladas, alaranjadas ou esverdeadas. Forma pseudomorfoses com a Cerussite e reage sob luz UV em tom cremoso. No 3º nível apresenta-se em cavidades do jaspe com uma configuração diferente, confundindo-se à primeira vista com Cerussite. Forma cristalizações prismáticas em feixes / leques ou agregados globulares até 5mm de cor branca.
Martins da Pedra
Referençias:
Preguiça Mine, Sobral da Adiça, Moura, Beja, Portugal (mindat.org)